Por Antonio Carlos Teixeira (*)
Nos últimos dias, o assunto da vez nos sites esportivos, blogs e grupos de discusão pela internet ou e-mail foi um só: a pesquisa CNT/Sensus sobre as maiores torcidas do Brasil. Pode-se afirmar, com segurança, que os números absolutos estão inflados em pelo menos dois terços. Talvez não por culpa do instituto que os elaborou, mas, principalmente, pela falta de zelo de parte da mídia esportiva ao divulgá-los.
Os menos atentos acabam chegando à conclusão de que o Flamengo, por exemplo, tem hoje 26,928 milhões de torcedores, o equivalente a 14,4% da população brasileira, de 187 milhões, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Por essa avaliação, o Corinthians, o segundo colocado, com 10,5% da preferência dos brasileiros, teria 19,635 milhões de torcedores. Pura fantasia. Ocorre que não se leu nem se ouviu qualquer questionamento sobre essa contagem absurda. Os percentuais, até prova em contrário, devem estar corretos; os números absolutos jamais.
Tal qual na polêmica do milésimo gol de Romário, a mídia esportiva silenciou-se. Teria sido extremamente válido que os dados divulgados pelo CNT/Sensus fossem dissecados para que nos aproximassem um pouco mais da verdade. Revirei a internet, assisti a programas de TV e ouvi outros tantos de rádio. Mas nada. Pode ser que um ou outro jornal, rádio, site na internet ou TV tenha feito essa ponderação. Mas, no geral, as notícias seguiram na mesma linha, o de que o time de maior torcida chega a ter 30 milhões aficionados.
Deu vazão a discussões intermináveis nos fóruns e chat na Web. Flameguistas e corintianos, por exemplo, brigando entre si. Os primeiros dizendo que seu time tem mais de 30 milhões de torcedores; os outros garantindo que o seu se aproxima da quantidade do rival. E tome exageros.
59 milhões de torcedores, no máximo
Sabe-se que é impossível que os 187 milhões de brasileiros gostem de futebol. Pior: é fato que apenas 10% das mulheres torcem para algum time. Elas são maioria no país, com 97,24 milhões, contra 89,76 milhões de homens. De cara, já podemos excluir da contagem mais de 87 milhões de brasileiros do sexo feminino.
O IBGE também traz o número dos brasileirinhos entre 0 e 9 anos. Temos 30,8 milhões de crianças nessa faixa de idade, as quais não entram nas estatísticas do futebol ou nunca respondem a pesquisas de opinião, por questão óbvia. Bem, somando-se o número de mulheres que dão de ombro ao futebol e as crianças entre 0 e 9 anos, teríamos 128 milhões de pessoas que não têm time de futebol.
Nesse caso, o Brasil teria apenas 59 milhões de "amantes do futebol". O discurso de que temos 187 milhões de técnicos de futebol não passa, claro, de lugar-comum, chavão, clichê. E, entre esses 59 milhões de torcedores, há os simpatizantes - aqueles que nunca assistem a jogo de futebol, não fazem questão alguma de ter camisa ou acessório de clube.
Mas, para não radicalizar, adotemos o número de 59 milhões para começarmos a debater com um pouco mais de coerência os dados da pesquisa. Nesse caso, se os percentuais aferidos estiverem corretos, haveria 8,496 milhões de flamenguistas, de fato a maior torcida do país. Seguidos de 6,195 milhões de corintianos, 4,720 milhões de são-paulinos (8%), 4,248 milhões de palmeirenses (7,2%), 3 milhões de vascaínos (5%), 2,301 milhões gremistas (3,9%) e 2,183 milhões de santistas (3,7%).
Mas sejamos menos rigorosos. Vamos incluir nas nossas estatísticas as cerca de 30 milhões de crianças entre 0 e 9 anos, o que eleva o número dos que torcem por algum time de futebol para cerca de 90 milhões. Com isso, a quantidade de flamenguistas chegaria a 13 milhões, a de corintianos, 9,5 milhões, e os são-paulinos seriam 7,2 milhões. Teríamos ainda 6,48 milhões de palmeirenses, 4,5 milhões de vascaínos, 3,5 milhões de gremistas e 3,33 milhões de santistas.
A pesquisa CNT/Census, contudo, traz observação que, diferentemente do que tem sido divulgado por jornalistas menos comprometidos com a verdade, aproxima-se um pouco da nossa avaliação. De acordo com o levantamento, 28,4% dos pesquisados afirmam não torcer por nenhum time de futebol. Entre os entrevistados, 15,4% afirmam gostar "mais ou menos" do esporte, enquanto outros 51,9% dizem gostar. Pior: das pessoas ouvidas, 32% dizem não gostar de futebol.
Na verdade, os institutos de pesquisas fazem os levantamentos e os negociam com alguma entidade ou veículo de comunicação. A mídia - que os usa para vender mais jornal ou aumentar a audiência, o que é legítimo - os divulga sem qualquer contraponto, ou questionamento. O dever de informar, com precisão, passou ao largo nessa questão.
E, assim, o público amante do futebol vai se alimentando de números e dados mentirosos, a ponto de haver cartola dizendo por aí que, "num futuro próximo", seu clube atingirá 30 milhões de torcedores; outros garantindo que chegarão a 25 milhões, 20 milhões. E nós, como leitores, ouvintes e telespectadores, somos obrigados a engoli-los sem água.
(*) Antonio Carlos Teixeira é jornalista em Brasília
Nos últimos dias, o assunto da vez nos sites esportivos, blogs e grupos de discusão pela internet ou e-mail foi um só: a pesquisa CNT/Sensus sobre as maiores torcidas do Brasil. Pode-se afirmar, com segurança, que os números absolutos estão inflados em pelo menos dois terços. Talvez não por culpa do instituto que os elaborou, mas, principalmente, pela falta de zelo de parte da mídia esportiva ao divulgá-los.
Os menos atentos acabam chegando à conclusão de que o Flamengo, por exemplo, tem hoje 26,928 milhões de torcedores, o equivalente a 14,4% da população brasileira, de 187 milhões, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas). Por essa avaliação, o Corinthians, o segundo colocado, com 10,5% da preferência dos brasileiros, teria 19,635 milhões de torcedores. Pura fantasia. Ocorre que não se leu nem se ouviu qualquer questionamento sobre essa contagem absurda. Os percentuais, até prova em contrário, devem estar corretos; os números absolutos jamais.
Tal qual na polêmica do milésimo gol de Romário, a mídia esportiva silenciou-se. Teria sido extremamente válido que os dados divulgados pelo CNT/Sensus fossem dissecados para que nos aproximassem um pouco mais da verdade. Revirei a internet, assisti a programas de TV e ouvi outros tantos de rádio. Mas nada. Pode ser que um ou outro jornal, rádio, site na internet ou TV tenha feito essa ponderação. Mas, no geral, as notícias seguiram na mesma linha, o de que o time de maior torcida chega a ter 30 milhões aficionados.
Deu vazão a discussões intermináveis nos fóruns e chat na Web. Flameguistas e corintianos, por exemplo, brigando entre si. Os primeiros dizendo que seu time tem mais de 30 milhões de torcedores; os outros garantindo que o seu se aproxima da quantidade do rival. E tome exageros.
59 milhões de torcedores, no máximo
Sabe-se que é impossível que os 187 milhões de brasileiros gostem de futebol. Pior: é fato que apenas 10% das mulheres torcem para algum time. Elas são maioria no país, com 97,24 milhões, contra 89,76 milhões de homens. De cara, já podemos excluir da contagem mais de 87 milhões de brasileiros do sexo feminino.
O IBGE também traz o número dos brasileirinhos entre 0 e 9 anos. Temos 30,8 milhões de crianças nessa faixa de idade, as quais não entram nas estatísticas do futebol ou nunca respondem a pesquisas de opinião, por questão óbvia. Bem, somando-se o número de mulheres que dão de ombro ao futebol e as crianças entre 0 e 9 anos, teríamos 128 milhões de pessoas que não têm time de futebol.
Nesse caso, o Brasil teria apenas 59 milhões de "amantes do futebol". O discurso de que temos 187 milhões de técnicos de futebol não passa, claro, de lugar-comum, chavão, clichê. E, entre esses 59 milhões de torcedores, há os simpatizantes - aqueles que nunca assistem a jogo de futebol, não fazem questão alguma de ter camisa ou acessório de clube.
Mas, para não radicalizar, adotemos o número de 59 milhões para começarmos a debater com um pouco mais de coerência os dados da pesquisa. Nesse caso, se os percentuais aferidos estiverem corretos, haveria 8,496 milhões de flamenguistas, de fato a maior torcida do país. Seguidos de 6,195 milhões de corintianos, 4,720 milhões de são-paulinos (8%), 4,248 milhões de palmeirenses (7,2%), 3 milhões de vascaínos (5%), 2,301 milhões gremistas (3,9%) e 2,183 milhões de santistas (3,7%).
Mas sejamos menos rigorosos. Vamos incluir nas nossas estatísticas as cerca de 30 milhões de crianças entre 0 e 9 anos, o que eleva o número dos que torcem por algum time de futebol para cerca de 90 milhões. Com isso, a quantidade de flamenguistas chegaria a 13 milhões, a de corintianos, 9,5 milhões, e os são-paulinos seriam 7,2 milhões. Teríamos ainda 6,48 milhões de palmeirenses, 4,5 milhões de vascaínos, 3,5 milhões de gremistas e 3,33 milhões de santistas.
A pesquisa CNT/Census, contudo, traz observação que, diferentemente do que tem sido divulgado por jornalistas menos comprometidos com a verdade, aproxima-se um pouco da nossa avaliação. De acordo com o levantamento, 28,4% dos pesquisados afirmam não torcer por nenhum time de futebol. Entre os entrevistados, 15,4% afirmam gostar "mais ou menos" do esporte, enquanto outros 51,9% dizem gostar. Pior: das pessoas ouvidas, 32% dizem não gostar de futebol.
Na verdade, os institutos de pesquisas fazem os levantamentos e os negociam com alguma entidade ou veículo de comunicação. A mídia - que os usa para vender mais jornal ou aumentar a audiência, o que é legítimo - os divulga sem qualquer contraponto, ou questionamento. O dever de informar, com precisão, passou ao largo nessa questão.
E, assim, o público amante do futebol vai se alimentando de números e dados mentirosos, a ponto de haver cartola dizendo por aí que, "num futuro próximo", seu clube atingirá 30 milhões de torcedores; outros garantindo que chegarão a 25 milhões, 20 milhões. E nós, como leitores, ouvintes e telespectadores, somos obrigados a engoli-los sem água.
(*) Antonio Carlos Teixeira é jornalista em Brasília
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